Seiji Isotani, veste terno cinza e camisa cor de vinho por baixo, sorri levemente para a foto

Pesquisador do NEES e professor da Universidade de São Paulo (USP), Seiji Isotani está como docente visitante na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desde julho do ano passado.

Um dos pioneiros no desenvolvimento de tecnologias educacionais interativas no Brasil, ele figura na lista dos 20 pesquisadores mais citados no mundo em suas áreas de atuação, segundo o Google Scholar.

No território estadunidense, Seiji Isotani integra um grupo que desenvolve pesquisas, tecnologias e abordagens para melhorar políticas públicas no Brasil, mas que podem ser utilizadas em outros países com contexto semelhante ao brasileiro. 

“Colaboro com pesquisadores interessados na temática de tecnologia, de inteligência artificial, de política pública”, explica o professor

Em uma breve visita ao Brasil em maio, Seiji Isotani comentou sobre assuntos como Chat GPT, inteligência artificial (IA) e como a tecnologia pode ajudar a diminuir os impactos negativos da pandemia de covid-19 na educação pública brasileira.

“Estou em Harvard trabalhando em conjunto com o NEES para que a gente consiga criar tecnologias que permitam maior justiça social, que auxiliem alunos, professores e escolas que mais precisam no Brasil”, assegura.

 

Confira a entrevista a seguir:

 

Com a pandemia de covid-19, problemas que já preocupavam educadores brasileiros, como evasão escolar e déficit de aprendizagem, foram acentuados. Como a tecnologia pode ajudar na melhoria da educação?

A covid-19 escancarou as deficiências do sistema educacional não só do Brasil, mas do mundo inteiro. Sem a pandemia já tínhamos diversos desafios como motivar os alunos, dar o suporte adequado para eles aprenderem, distribuir material didático.

O isolamento social criou dificuldades de interação, de aprendizado sem o apoio pedagógico adequado, sem os materiais e suporte dos professores e até sem a parte nutricional pois muitas crianças do nosso País comem porque estão na escola.

As secretarias de Educação tiveram que repensar o processo educacional, que vai muito mais do que ensinar, mas sim cuidar das nossas crianças. Uma das consequências foi o aumento da evasão escolar.

O algoritmo de inteligência artificial nos ajuda a entender quais os motivos que levaram a criança a desistir da escola. Se fosse analisar caso a caso teria muita dificuldade de tomar decisões adequadas olhando para uma gama muito grande de dados, enquanto o computador consegue fazer isso muito bem.

Então, a partir de um conjunto de dados já classificados e processados, o ser humano consegue identificar quais as melhores ações a tomar. É uma área da inteligência artificial que chamamos de inteligência aumentada, que é aumentar a capacidade humana para tomada de decisão utilizando o melhor do computador e do ser humano. 

Outro grande potencial da inteligência artificial é aumentar as nossas capacidades de empatia e de apoiar as outras pessoas mesmo em ambientes virtuais, ou seja, mesmo quando não há contato humano.

Parece que é uma coisa simples, já que outras tecnologias fazem isso, mas quando aconteceu a pandemia isso não foi colocado em prática. Então é um outro ponto que a gente pode levar em consideração: usar a inteligência artificial para conectar pessoas, para engajá-las e motivá-las.

 

Na sua avaliação, é positiva a popularização do chat GPT?

É uma faca de dois gumes. Acredito que seja positiva e bem-vinda toda a tecnologia que vem para apoiar o ser humano, a deixá-lo mais eficiente, a fazer com que consiga realizar mais coisas em menos tempo.  

É extremamente positivo ter tecnologias que nos deem suporte para que a gente consiga criar de maneira mais rápida e melhor, dialogar ou dizer o que queremos de um modo mais conciso e coeso.

Cabe a nós educadores entendermos quando, como e onde vamos utilizar essa tecnologia. Esse é o grande desafio. Entender como usá-la em benefício da educação e não em detrimento da educação. 

É lógico que você vai ter problemas de cola, de cópia. Mas é um desafio bom que precisa ser enfrentado porque ajuda a educação a dar uma chacoalhada, dar uma guinada para frente, para entender que as tecnologias estão aí e precisamos nos apropriar delas para a gente ajudar as nossas crianças a cada vez mais crescerem, avançarem e olharem para o futuro.

 

Professores, alunos e educadores brasileiros estão aptos a aproveitarem a ferramenta no dia a dia da sala de aula?

Na maioria dos casos, não. O Brasil é muito desigual, existem escolas e regiões onde os professores e alunos e educadores em geral estão muito mais preparados para utilizar tecnologia. 

Mas se olharmos para a população em geral, a gente verifica que mais da metade da população não tem professores com habilidades digitais que permitam que eles consigam utilizar essa ferramenta de maneira adequada na aprendizagem. 

Então isso é outro grande desafio. A gente tem todo um processo de educação digital que envolve habilidades e competências digitais na educação que precisam ser treinadas, trabalhadas, construídas com alunos e professores. E até questões relacionadas com pensamento computacional, que também é uma vertente muito forte quando a gente está pensando em tecnologias na educação e o uso delas de maneira adequada.

 

Num país com grande desigualdade social como o Brasil – também escancarada na pandemia, com muitos estudantes sem equipamentos ou acesso à internet – como a inteligência artificial pode contribuir para minimizar esses problemas?

Vários relatórios mostram que a distância digital entre países ou regiões que têm acesso à tecnologia e outros que não têm está ficando cada vez maior. Que países já desenvolvidos estão prontos para trabalhar com tecnologia, enquanto os países em desenvolvimento não.

Mostram também que a quantidade de trabalho está indo mais para o digital e menos para analógico. Isso significa que cada vez mais os países em desenvolvimento vão ter dificuldade para criar produtos, melhorar processos, ter resultados que ajudem a sociedade a crescer e ficar mais rica.

Aqui na Universidade de Harvard, nós do NEES estamos propondo o que chamamos de inteligência artificial na educação desplugada

A gente consegue utilizar inteligência artificial impactando milhões de alunos e professores sem necessariamente ter que mexer na infraestrutura, porque infraestrutura é um problema gigantesco que você não consegue resolver a curto prazo. 

Vai demorar em torno de 100 anos para resolver o gap, essa diferença entre países não desenvolvidos e países desenvolvidos ou países ricos e países pobres. Isso observamos em dados do Banco Mundial.

Então a gente tem que utilizar a inteligência artificial para ser inteligente o suficiente para criar processos, produtos e tecnologias que trabalham nesse ambiente onde existe alguma tecnologia, mas não existe muita tecnologia. 

Por exemplo: criamos uma tecnologia que corrige o texto do aluno. O professor tira uma foto e manda para um servidor. Ela é processada, utilizando inteligência artificial, visão computacional e processamento de linguagem natural. O sistema verifica quais são as dificuldades do estudante, os problemas naquela redação, os pontos positivos e negativos e devolve um relatório para o professor. 

Mesmo sem computador e internet para todos os alunos, a gente tem pelo menos um professor que tem acesso a um smartphone, que dá para tirar uma foto. E em torno de 98% das escolas têm internet administrativa. Significa que mesmo sem internet para os alunos, você aproveita a conexão da sala do diretor. Usamos dois pedacinhos de tecnologia disponíveis para utilizar a inteligência artificial em favor do aluno.

E aí o professor consegue tomar uma ação com relação a aprendizagem do aluno, ou seja, num ambiente onde praticamente não tem tecnologia, usando  a inteligência artificial para resolver um problema de correção automática de redação sem mudar a infraestrutura. 

Isso é um avanço gigantesco, pensar nesse tipo de soluções que podem ser aproveitadas em regiões onde a tecnologia não está amplamente disponível.