Como educadores, gestores e lideranças educacionais devem se preparar para o mundo digital da superconectividade? Como construir um diálogo autêntico e significativo com os alunos num cenário cada vez mais permeado pela tecnologia e pela exposição individual e coletiva? Essas são algumas reflexões que o pesquisador Rafael Parente, do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), apresenta em um artigo publicado em suas redes sociais.
No NEES, Rafael está levando projetos de formação e gestão com uso de Inteligência Artificial para estados e municípios. O pesquisador é PhD em Educação pela Universidade de Nova York (NYU), é membro da comissão técnica do PNLD e é coautor do livro “Como Educar Famílias para Futuros Desafiadores”.
“A facilidade com que notícias falsas se propagam nas redes sociais desafia a própria noção de verdade. Nesse contexto, o papel do educador se torna ainda mais essencial. Não basta apenas transmitir conteúdo, é preciso ensinar a questionar, a duvidar, a buscar diferentes perspectivas. E com a chegada da inteligência artificial e das tecnologias generativas, o desafio se torna ainda maior”, destaca Rafael num dos trechos do artigo.
Ele enfatiza que a afetividade se torna um fator decisivo no processo de ensino-aprendizagem, sobretudo porque as interações entre as pessoas estão cada vez mais mediadas por telas e dispositivos. “A afetividade é a ponte que nos permite romper as barreiras impostas pela tecnologia e alcançar o outro em sua integralidade, reconhecendo-o como um indivíduo único e singular”, observa Rafael.
Leia, abaixo, o artigo completo. A versão em inglês pode ser acessada aqui.
Educação na era Big Brother: entre a vigilância e o diálogo
Rafael Parente
A era do Big Brother nos alcançou, trazendo consigo uma superconectividade que muitas vezes manipula a realidade. Recentemente, me deparei com dois casos que me fizeram questionar o papel que nós, educadores, gestores e lideranças educacionais desempenhamos neste mundo de vigilância constante e informações instantâneas. No primeiro, um aluno filma seu professor durante a aula e o confronta de forma desrespeitosa, na tentativa de humilhá-lo publicamente. No segundo, uma secretária de educação tem sua fala em uma live editada e viralizada nas redes sociais.
Essa superconectividade, com seus julgamentos instantâneos e discussões superficiais, está transformando a relação entre educadores e alunos. A exposição constante e a possibilidade de ter nossas falas e ações registradas e manipuladas exigem de nós, educadores e lideranças educacionais, uma postura ética irrepreensível. A responsabilidade de dar o exemplo se manifesta em cada escolha que fazemos, desde as palavras que usamos até os conteúdos que compartilhamos. Em um mundo onde a desinformação se espalha com tanta facilidade, promover uma comunicação clara, respeitosa e reflexiva é essencial. Mais do que nunca, precisamos estar conscientes do impacto de cada palavra, de cada gesto e de cada publicação nas redes.
Em um cenário assim, tão permeado pela tecnologia, como podemos construir um diálogo autêntico e significativo com nossos alunos? Como promover a confiança e o respeito mútuo em um ambiente marcado pela vigilância e pela suspeita? As palavras de Paulo Freire ecoam com força nesse contexto: “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão”.
A era da superconectividade nos inunda com informações, mas nem sempre nos equipa para lidar com elas de forma crítica e responsável. A facilidade com que notícias falsas, opiniões tendenciosas e conteúdos manipulados se propagam nas redes sociais desafia a própria noção de verdade. Nesse contexto, o papel do educador se torna ainda mais essencial. Não basta apenas transmitir conteúdo, é preciso ensinar a questionar, a duvidar, a buscar diferentes perspectivas. Precisamos formar cidadãos capazes de analisar criticamente a informação e construir o seu próprio entendimento do mundo.
E com a chegada da inteligência artificial e das tecnologias generativas, o desafio se torna ainda maior. A linha que separa o real do artificial se torna cada vez mais tênue, abrindo espaço para a criação de imagens, vídeos e áudios indistinguíveis da realidade. Nesse cenário de “deepfakes” e informações fabricadas, como podemos preparar as novas gerações para interpretar criticamente o que veem e ouvem? Como cultivar o pensamento crítico e a capacidade de questionar em um mundo onde a verdade se torna cada vez mais elusiva?
Em um mundo hiper-digital, onde a interação humana é cada vez mais mediada por telas e dispositivos, a afetividade se torna um fator decisivo no processo de ensino-aprendizagem. Antonio Carlos Gomes da Costa, com sua ênfase na educação afetiva, nos lembra da importância de criar laços de confiança e empatia com nossos alunos. O mesmo pode ser traduzido para níveis superiores, sobre as relações entre gestores e professores, secretários e profissionais. Em um ambiente marcado pela vigilância e pela impessoalidade, o contato humano, o olhar que acolhe e a palavra que incentiva se tornam insubstituíveis.
A afetividade é a ponte que nos permite romper as barreiras impostas pela tecnologia e alcançar o outro em sua integralidade, reconhecendo-o como um indivíduo único e singular.
Diante de todos esses desafios, cabe a nós, educadores, promovermos uma reflexão profunda sobre como podemos utilizar a tecnologia a favor da educação, sem perder de vista a importância do contato humano e da formação ética. Precisamos estar preparados para lidar com as complexidades da era digital, formando cidadãos críticos, conscientes e responsáveis. Acredito que, ao agirmos com ética, responsabilidade e afeto, poderemos contribuir para a construção de um futuro onde a verdade, o respeito e o diálogo sejam os pilares da nossa educação. E só assim estaremos prontos para enfrentar as complexidades do mundo que se apresenta, um mundo digital, mas que, paradoxalmente, anseia por uma conexão humana autêntica.