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Pesquisadores do Observatório da Equidade Educacional identificaram que a ascensão econômica e social não beneficia grupos de alunos brancos e pretos da mesma forma. O crescimento econômico ou a distribuição de riqueza é insuficiente para superar a disparidade no desempenho acadêmico. 

Para chegar a essa conclusão foram cruzados dados de raça, gênero e nível socioeconômico a partir dos resultados nacionais do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021 em leitura e matemática para estudantes do 9º ano do ensino fundamental.

O panorama mostra que, mesmo com avanço econômico, não há ganhos equitativos para todos os grupos. “A ascensão econômica e social não beneficia grupos brancos e grupos pretos da mesma maneira”, destaca o pesquisador Gabriel Fortes, membro do Observatório da Equidade e um dos autores da pesquisa. A questão racial, portanto, é um ponto relevante na iniquidade educacional.

Nesta semana, no último dia 20 de novembro, foi comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. O Brasil tem 203 milhões de habitantes. A população negra é mais da metade desse universo: 56,1% dos brasileiros, segundo o IBGE. 

O Observatório da Equidade Educacional é uma ação do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES)  em parceria com o Ministério da Educação (MEC).  O objetivo é colocar a promoção da equidade como tema central das políticas educacionais, a partir da identificação e análise das disparidades educacionais que afetam diferentes grupos de estudantes. 

 

ANÁLISE

“O que a gente identificou nos dados é que à medida que aumenta o nível socioeconômico, aumenta também a brecha entre meninos e meninas brancas e meninos e meninas pretos”, diz Gabriel, vinculado à Universidade Alberto Hurtado (UAH), no Chile. 

A pesquisa O Impacto Triplo: Como Gênero, Raça e Riqueza Moldam a Brecha Educacional no Brasil é assinada por ele e mais sete pesquisadores: Leonardo Soares e Silva (IFPE-Garanhuns), Carine Valéria Mendes (Ufal), Patrícia de Macêdo (Cidacs/Fiocruz), Júlio Costa (Ufal), Luan Torres (Ufal), Sofia Simank (USP) e Angelina Nunes de Vasconcelos (Ufal). 

“Com o nível socioeconômico aumentando, meninos e meninas brancas passam a ter um desempenho muito superior aos de meninos e meninas pretas, o que nos indica, de alguma forma, o efeito do racismo estrutural que não permite que esse grupo mais vulnerável também se beneficie de uma melhora na sua situação de vida”, enfatiza Gabriel. 

“Então a gente tenta entender isso como um exemplo do racismo estrutural vivido na sociedade brasileira, que precisa ser mitigado, repensado, enfrentado, combatido”, destaca o integrante do Observatório da Equidade Educacional.

 

INTERSECCIONALIDADE

Os pesquisadores ressaltam a necessidade de políticas educacionais que considerem a  interseccionalidade entre raça, renda e gênero. “É imperativo reformar as estratégias de avaliação e monitoramento, incorporando uma perspectiva interseccional. O envolvimento das comunidades na avaliação garante ferramentas robustas e contextualizadas”, afirmam.

“Enquanto cada um desses fatores individualmente impacta o desempenho, seus efeitos combinados revelam complexidades e disparidades mais profundas. A verdadeira equidade educacional requer uma abordagem mais holística que reconheça e aborde os desafios multifacetados decorrentes das interseções de vários marcadores de identidade”, observam. 

Uma das constatações do estudo é que ao aumentar progressivamente a complexidade das intersecções, foi possível  identificar processos de superinclusão e subinclusão nos dados, assim tornando visível problemas antes invisibilizados na análise de dados. “Essa abordagem permitiu uma compreensão mais profunda das dinâmicas sutis e frequentemente esquecidas que afetam o desempenho acadêmico”, comenta Gabriel.

 

NOVAS RELAÇÕES

Para promover a equidade racial na educação, o professor da Ufal Antonio César de Holanda Santos, estudioso de áreas como juventude, infância, população LGBTQIA+ e questões étnico-raciais, defende a implementação das políticas de ações afirmativas em termos de acesso e a reestruturação das relações. 

“Não adianta garantia de vagas, de acesso, com ou sem políticas, para pessoas negras e mulheres, se as pessoas que estiverem ocupando espaços de poder, de decisão e de mediação nos processos de ensino e aprendizagem e gestão estabelecerem relações que subalternizem pessoas negras e mulheres, sobretudo as mulheres negras”, destaca Antonio Santos, que leciona no curso de psicologia (campus Palmeira dos Índios) e é integrante do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Psicologia Escolar e Educacional do Semiárido (LAPES).

“Considero, a partir de diversos estudos, que ainda estamos lidando com os efeitos discursivos (e de não execução) diante dos retrocessos dos parâmetros de gênero e de raça nas políticas educacionais, sobretudo em políticas locais. Tais efeitos, e a ausência de compromisso efetivo diante das políticas existentes, não têm garantido a real inserção de conhecimentos e, sobretudo, os parâmetros das relações equitativas no âmbito racial”, observa Antonio Santos.

“São conhecimentos subjugados, pouco ou nada considerados, relativizados, e isso é fruto de uma negação histórica e sistemática de saberes que afirmam a negritude, que reconheçam a branquitude como racialização”, ressalta o professor da Ufal.

“Há necessidade de constituirmos discursos, conhecimentos e práticas que possibilitem colocar as relações em questão, especificamente as relações de gênero e raça. E isso não será possível sem uma formação que traga o arcabouço teórico e também uma instrumentalização prática que possibilite efetiva mudança das relações raciais e de gênero”, afirma Antonio Santos.

“Devemos aprender como se deve mudar as relações. Isso implica em questionar lugares de privilégio e rever os termos das relações. Mas só será possível se soubermos constituir diálogos construtivos, verdadeiros, com efetiva escuta e valorização das pessoas negras”, conclui o professor.

 

FORTES, Gabriel; SILVA, Leonardo Soares e; MENDES, Carine Valéria; MACÊDO, Patrícia de; COSTA, Júlio; TORRES, Luan; SIMANK, Sofia; VASCONCELOS, Angelina Nunes. O Impacto Triplo: Como Gênero, Raça e Riqueza Moldam a Brecha Educacional no Brasil. 2023. Policy Brief 3. Observatório de Equidade Educacional (NEES e SEB/MEC). Disponível em: [Policy Brief – O impacto triplo]