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Diversidade e inclusão nos livros didáticos brasileiros: estudo de pesquisadores do NEES apresentado em conferência nos Estados Unidos revela desafios e disparidades

25 de março de 2025

Filipe Recch e Alan Pedro
Filipe Recch e Alan Pedro

Um estudo inovador sobre livros didáticos brasileiros aponta desafios potenciais na representatividade de gênero e etnia nos materiais utilizados nas escolas públicas brasileiras. A pesquisa analisou 102 livros da área de humanidades distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do governo federal. Os resultados indicam que homens e pessoas brancas são mais representados, reforçando estereótipos e narrativas desiguais.

A pesquisa foi apresentada pelos pesquisadores Alan Pedro e Filipe Recch, durante a 69º edição da Comparative and International Education Society, uma conferência que acontece em Chicago, nos Estados Unidos, até a próxima quarta-feira (26). Reúne especialistas de educação e tecnologia do mundo todo para discussões, esse ano, com foco no tema Visualizando a Educação em uma Sociedade Digital

Além deles, assinam a pesquisa Rafael Mello e Felipe Sarmento, igualmente pesquisadores do NEES. O professor da Universidade de Harvard Sebastian Munoz-Najar também participou da pesquisa. 

O grupo de pesquisadores utilizou métodos de processamento de linguagem natural (PLN) para identificar padrões de inclusão e diversidade nos textos. A abordagem permitiu analisar detalhadamente como os livros apresentam diferentes grupos sociais, destacando desigualdades na representação. Além disso, os pesquisadores observaram variações regionais no uso dos livros, sugerindo que algumas áreas podem ter maior acesso a materiais mais inclusivos do que outras.

O PNLD é uma das políticas públicas de educação do Brasil mais longevas (começou na década de 30 do século passado). Beneficia, anualmente, cerca de 40 milhões de alunos de 200 mil escolas públicas. O governo federal distribui aproximadamente 200 milhões de livros todos os anos. O NEES participa de diversas etapas do programa e lidera, junto ao MEC, a transformação digital do livro didático. 

INCLUSÃO

“Estamos tendo a oportunidade de discutir com especialistas de vários países um projeto que, embora mais difundido em contextos de língua inglesa, tem um enorme potencial de impacto no nosso país. Trata-se do uso de inteligência artificial para análise de conteúdo, com foco em avaliar o quanto os livros didáticos brasileiros são inclusivos e diversos”, comentou Alan Pedro, que é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisador visitante da Universidade de Oxford, na Inglaterra. 

“Nossa pesquisa busca entender como questões como diversidade e inclusão podem interferir nos resultados educacionais dos estudantes a curto e médio prazo. Quanto mais os alunos se identificam com os conteúdos, com o que é ensinado nas escolas, isso interfere, para melhor, no desempenho e motivação deles. O papel do NEES é central nessa discussão pois temos parcerias com o FNDE e o MEC em várias etapas do PNLD, por exemplo”, disse Filipe. Ele é professor da Universidade de Pittsburgh (EUA) e pesquisador da Blavatnik (Escola de Governo de Oxford).

“É um tema urgente, necessário e, acima de tudo, transformador. Essa pesquisa pode contribuir de forma decisiva para aprimorar políticas públicas como o PNLD, garantindo que os materiais que chegam às salas de aula de milhões de estudantes representem, de fato, a riqueza e a pluralidade da nossa sociedade”, enfatizou Alan

RESULTADOS

A pesquisa destaca a influência política sobre o conteúdo educacional, ressaltando que livros didáticos refletem perspectivas sancionadas por governos e grupos influentes. Disputas sobre o conteúdo dessas obras reforçam sua importância como fontes de conhecimento e formação de identidades nacionais. No entanto, a maioria dos estudos na área se concentra em países de língua inglesa, tornando essa investigação no Brasil uma contribuição valiosa para entender a diversidade na educação em países de baixa e média renda.

A análise também revelou limitações nas pesquisas anteriores, que geralmente utilizam amostras pequenas e não consideram diferenças entre os livros individualmente. Ao examinar cada livro separadamente, os pesquisadores conseguiram identificar quais materiais promovem uma visão mais inclusiva e quais perpetuam desigualdades.

Os especialistas defendem a revisão dos conteúdos educacionais para garantir que reflitam a diversidade da sociedade brasileira. Além disso, a pesquisa reforça a importância da Análise Crítica do Discurso (ACD) na compreensão de como a linguagem nos livros pode influenciar percepções sociais e políticas. O estudo sugere que uma educação mais inclusiva pode contribuir para reduzir desigualdades e promover uma sociedade mais equitativa.

CONEXÕES

Membro do Conselho Administrativo do NEES, Diego Dermeval também participou da conferência em Chicago. Ele está nos EUA realizando pós-doutorado na Universidade de Harvard. 

“A conferência reúne pesquisadores de educação de diferentes países e acho importante para o NEES participar dessas discussões porque estamos envolvidos na implementação de várias políticas públicas educacionais no Brasil. Então comparar o que é feito no Brasil com outros países, especialmente aqueles com realidades mais parecidas, como os da América Latina e do Sul Global, é muito interessante”, destacou Diego.

“Isso nos ajuda a entender melhor como podemos, no NEES, continuar contribuindo para melhoria da educação brasileira, com aumento das oportunidades de aprendizagem com qualidade, usando tecnologia e ciência, que é a nossa missão”, enfatizou Diego, ressaltando ainda o reforço de cooperação científica.

“É uma grande honra estar aqui, nesta que é uma das conferências mais tradicionais da nossa área, já em sua 69ª edição e reunindo mais de 3.500 participantes de todo o mundo. É realmente inspirador fazer parte desse espaço tão plural, onde ideias inovadoras e experiências diversas se encontram”, destacou Alan.

“Além de divulgar a pesquisa, a presença do NEES na conferência estreita laços com outros pesquisadores do mundo e que trabalham com temas similares. Participamos de discussões que podem levar essa nossa pesquisa para outros países da América Latina e assim olhar para o Brasil com uma perspectiva comparada. A Austrália está fazendo esse mesmo tipo de avaliação. Então o fato de a gente estar num evento global possibilita essa troca com o que está sendo feito no NEES e no Brasil”, afirmou Filipe.

“Estamos entusiasmados com o que está por vir e confiantes de que essa troca internacional fortalecerá ainda mais o caminho que estamos construindo”, afirmou Alan, que é o coordenador geral do Projeto Inteligência Aumentada PNLD/NEES.

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